Desindustrialização: do que se trata?
O termo desindustrialização voltou a ganhar espaço na discussão nacional. Entendida como perda de participação relativa da indústria de transformação no PIB, a desindustrialização pode ser observada desde mesmo antes da abertura comercial do início dos anos 1990 e das políticas macroeconômicas a partir daí adotadas.
Há uma desindustrialização relativa no País, mas quais as possíveis consequências disso? Em primeiro lugar, cabe observar que esse processo não se deu de forma continua. Em diferentes contextos da história recente de nossa economia, observou-se uma retomada da participação da indústria de transformação no PIB. Isso deixa claro que a indústria nacional guardou, e provavelmente ainda guarda, características que a permitiram reerguer-se e recuperar sua capacidade de produção.
Por outro lado, deve-se observar que a indústria de transformação sempre assumiu um papel preponderante no crescimento econômico dos países hoje considerados desenvolvidos e continua desempenhando esse papel nos países emergentes. De fato, constata-se que, em países cuja média das taxas de crescimento anual foi igual ou superior a 5,0% entre 1970 e 2007, há um aumento da participação da indústria de transformação em suas estruturas produtivas. Os destaques ficam por conta das economias asiáticas, sobretudo China e Coreia do Sul.
O que se observa nos mais diferentes países do mundo é a utilização de políticas industriais voltadas para o fortalecimento de cadeias produtivas consideradas estratégicas para o crescimento econômico, ou ainda, políticas que visam dar competitividade à indústria - o seja, vantagem comparativa é algo que se adquire.
E aqui se coloca um ponto fundamental. Ainda que o termo desindustrialização tenha seus sentidos, como vimos acima, sua discussão parece estar jogando uma cortina de fumaça para o processo mais importante que a indústria de transformação está vivendo nos últimos anos: perda de competitividade. Se, por um lado, essa perda de competitividade reflete os ganhos muito modestos de produtividade da indústria nacional nas últimas décadas, bem como os custos de uma infraestrutura inadequada e de uma carga tributária sobre a produção elevada, ela também reflete, por outro lado, a forte valorização do real que se inicia já em 2003. É importante que se discuta a desindustrialização. Mas, cabe reforçar este seu aspecto negativo que se apresenta no Brasil: a já observada eliminação e o possível desmonte de elos estratégicos de diferentes cadeias de produção ameaçados pela concorrência do produto estrangeirodevido, sobretudo, ao câmbio valorizado.
Rogério César de Souza, É ECONOMISTA-CHEFE DO IEDI
(OESP, 10/01/2011)
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Nos últimos 25 anos, o Brasil perdeu a capacidade de pensar a sua dinâmica econômica, os seus constrangimentos estruturais e o seu potencial de desenvolvimento. O valioso legado que nos deixaram nossos maiores pensadores econômicos, Celso Furtado e Ignacio Rangel, ficou soterrado.
É certo que, na década de 2000, a economia brasileira voltou a crescer, contando para tanto com as duas desvalorizações cambiais de 1999 e 2002, a baixa dos juros pós-2005, o vigor da economia internacional, a capacidade de alavancar o crédito e a renda dos de baixo e a recuperação do investimento das empresas estatais.
Contudo, não dispomos de uma estratégia de desenvolvimento no longo prazo, capaz de enfrentar os dilemas da competitividade externa e das enormes desigualdades sociais. Parte do problema está na escassa capacidade analítica de nossos economistas de plantão. Apesar de disporem de todos os dados necessários, atiram nos alvos errados.
De um lado, estão os neoliberais clamando pelo eterno ajuste fiscal.
Contudo, não dispomos de uma estratégia de desenvolvimento no longo prazo, capaz de enfrentar os dilemas da competitividade externa e das enormes desigualdades sociais. Parte do problema está na escassa capacidade analítica de nossos economistas de plantão. Apesar de disporem de todos os dados necessários, atiram nos alvos errados.
De um lado, estão os neoliberais clamando pelo eterno ajuste fiscal.
Não custa lembrar que a sua tentativa de instaurar um novo modelo de desenvolvimento revelou-se um rotundo fracasso. Os 50 anos de industrialização puderam mais do que dez anos de pirotecnias pseudomercadistas.
Já a nossa esquerda econômica segue obcecada por dois fantasmas: financeirização e desindustrialização. O primeiro grupo de economistas compra o discurso dos regulacionistas europeus e o aplica sem as devidas mediações ao caso brasileiro. Apesar de captar parcela do que ocorreu nos anos 90, essa vertente se mostra impossibilitada de compreender o governo Lula.
Vê a financeirização aninhada no topo do sistema econômico, mas não percebe vigorosa financeirização por baixo, junto com a incorporação via mercado de trabalho.
O segundo grupo mira apenas no câmbio se apreciando e na indústria de transformação perdendo peso no PIB; por meio de apressada correlação, passa a entoar a ladainha da desindustrialização.
Já a nossa esquerda econômica segue obcecada por dois fantasmas: financeirização e desindustrialização. O primeiro grupo de economistas compra o discurso dos regulacionistas europeus e o aplica sem as devidas mediações ao caso brasileiro. Apesar de captar parcela do que ocorreu nos anos 90, essa vertente se mostra impossibilitada de compreender o governo Lula.
Vê a financeirização aninhada no topo do sistema econômico, mas não percebe vigorosa financeirização por baixo, junto com a incorporação via mercado de trabalho.
O segundo grupo mira apenas no câmbio se apreciando e na indústria de transformação perdendo peso no PIB; por meio de apressada correlação, passa a entoar a ladainha da desindustrialização.
É fato que a política cambial encontra-se fora de prumo e que segmentos da indústria brasileira têm se transformado em meros montadores. Mas será que um país que gera 2,5 milhões de empregos industriais em cinco anos, amplia os investimentos no setor e bate todos os recordes na produção de automóveis se desindustrializa?
O que parece ausente do debate é uma perspectiva histórica sobre o desenvolvimento da indústria brasileira, que sofreu um congelamento nos anos 80 e depois uma forte pressão competitiva nos anos 90, quando uma nova onda tecnológica surfava lá fora.
Essa indústria resistiu e se reconfigurou, inicialmente de maneira defensiva, para dar novo impulso ao crescimento no período presente, com o aval do BNDES, ainda que gerando menos valor no mercado interno e se expandindo nas etapas pouco intensivas em tecnologia das cadeias produtivas.
Se quisermos aproveitar o potencial da indústria e do nosso sistema econômico num cenário global marcado pela ascensão chinesa, precisamos jogar fora os fantasmas do eterno ajuste fiscal, da financeirização e da desindustrialização.
E destrinchar a nova dinâmica de economia historicamente dependente e profundamente heterogênea, que começa a se acomodar a um novo cenário de expansão econômica, não isento de desequilíbrios estruturais expressivos.O debate em torno das políticas de juros, câmbio e fiscal do governo Dilma Rousseff tende a girar em falso se não partirmos desse panorama mais amplo.
O que parece ausente do debate é uma perspectiva histórica sobre o desenvolvimento da indústria brasileira, que sofreu um congelamento nos anos 80 e depois uma forte pressão competitiva nos anos 90, quando uma nova onda tecnológica surfava lá fora.
Essa indústria resistiu e se reconfigurou, inicialmente de maneira defensiva, para dar novo impulso ao crescimento no período presente, com o aval do BNDES, ainda que gerando menos valor no mercado interno e se expandindo nas etapas pouco intensivas em tecnologia das cadeias produtivas.
Se quisermos aproveitar o potencial da indústria e do nosso sistema econômico num cenário global marcado pela ascensão chinesa, precisamos jogar fora os fantasmas do eterno ajuste fiscal, da financeirização e da desindustrialização.
E destrinchar a nova dinâmica de economia historicamente dependente e profundamente heterogênea, que começa a se acomodar a um novo cenário de expansão econômica, não isento de desequilíbrios estruturais expressivos.O debate em torno das políticas de juros, câmbio e fiscal do governo Dilma Rousseff tende a girar em falso se não partirmos desse panorama mais amplo.
ALEXANDRE DE FREITAS BARBOSA, doutor em economia aplicada pela Unicamp, é professor de história econômica do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
(FSP, 10/01/2011)
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